quinta-feira, 2 de abril de 2009

Purcell – o “Mozart” da Inglaterra


Mais de 60 anos antes do pequeno Mozart nascer em Salzburg, morria do outro lado da Europa, em Londres, o maior compositor inglês de todos os tempos. Henry Purcell nasceu em 1659, quase um século antes de Mozart, e é constantemente citado por autores e críticos em comparações com o compositor austríaco. Existem sim muitas similaridades entre os dois. Ambos foram prodígios, estudaram desde muito cedo incentivados por seus familiares, começaram a compor muito cedo, atingiram cargos importantes ainda muito jovens. Purcell, assim como Mozart, tinha muita facilidade com melodias, um grande poder de expressão tanto em passagens alegres como em trechos introspectivos e uma quedinha para a música teatral. Se não bastasse, ambos morreram muito jovens, por volta dos 36 anos [Purcell morreu aos 36, Mozart a um mês de completar os seus]. Há quem ouse indicar, ou sugerir, que o austríaco foi um compositor maior do que o inglês. Comparações assim são injustas. Eles viveram em épocas diferentes, em países diferentes, em sociedades diferentes, que exigiam resultados distintos de seus compositores. A verdade é que Purcell poderia ter sido ainda maior do que foi. Enquanto Mozart teve ferramentas composicionais que o ajudaram a criar um novo estilo e a ampliar as formas e gêneros da composição clássica, Purcell teve que se contentar em compor sob o estilo inglês conservador, se comparado ao francês e ao italiano, e com as limitações técnicas de meados do século XVII [lembremos que as músicas barrocas mais elaboradas, como as de Bach e Handel, só apareceram depois que Purcell já havia morrido]. Mas nada disso diminui o gênio do compositor inglês.
Ainda criança, Purcell começou seus estudos musicais e, por influência de seu pai, começou a cantar no coro da capela real. Quando passou pela mudança de voz, aos 13 anos, deixou o coro e começou a ter aulas com John Blow, que era o organista da abadia de Westminster. Aos 17 anos, ocupou o cargo de co-organista de Westminster e um ano depois foi nomeado compositor do rei, na corte de Charles II. Aos 20, tomou de seu professor o lugar de organista principal em Westminster e aos 23 foi nomeado organista da Chapel Royal, acumulando três posições de destaque. Apesar de todas estas conquistas, a maior parte de sua produção foi destinada a seu empregador – celebrações de aniversários da família real, peças de comemoração a datas importantes e para celebrações oficiais e um bom número de música teatral composta para o divertimento da corte. Para a igreja, Purcell compôs por volta de 60 hinos, além de cânones sacros, salmos e serviços. Escreveu também Odes, cantatas profanas e mais de 150 canções. Em música instrumental, escreveu diversas fantasias para violas, além de sonatas para dois ou quatro violinos e baixo contínuo e inúmeras peças para o cravo. Suas obras mais conhecidas são a ópera Dido e Enéas, o Hino à Santa Cecília e a Música para o Funeral da Rainha Maria.
Dido e Enéas
Apesar da grande apreciação pela música dramática, Purcell escreveu apenas uma ópera – Dido and Aeneas. A culpa é da corte inglesa, que naquela época não apreciava muito a ópera. Mesmo assim, ele ainda conseguiu compor cinco semi-óperas – Dioclesian, King Arthur, The Fairy Queen, The Indian Queen e The Tempest, esta sendo a mais elaborada de todas. Estas semi-óperas apresentavam o mesmo estilo das antigas ‘mascaradas’, que diferem da ópera por serem caracterizadas por um conjunto de árias e passagens instrumentais, com a adição de um número de dança, e onde o coro não possui encenação, nem partes musicais - o coro, estático, apenas declama comentários sobre as cenas das árias. A participação mais numerosa de Purcell na música dramática se deu em forma de música incidental para peças teatrais, tendo composto mais de 40 'trilhas sonoras' para encenações. Mas a ópera Dido e Enéas coloca o compositor inglês na lista dos grandes operistas. É considerada a primeira grande ópera inglesa.
A ópera, baseada em contos da Eneida, de Virgílio, conta a história do encontro de Enéas, refugiado de Tróia, com a rainha Dido, de Cartago. Os dois se apaixonam, mas Enéas precisa continuar sua jornada e embarcar para Roma. Quando Enéas a deixa, Dido se entrega à própria morte. A obra é curta e foi encomendada para ser montada por alunas de um colégio em Chelsea. Purcell soube muito bem como trabalhar graciosidade, leveza e humor para combinar com a ocasião, mas também incluiu momentos de grande dramaticidade e expressão. No Lamento de Dido, o trecho mais dramático da ópera, o compositor mostra seu domínio da técnica do ground bass, onde consegue criar melodias belas e muito bem construídas sobre o rigor da repetição literal da linha do baixo.
Para quem nunca ouviu a ópera, aqui tem a ária, com o recitativo, do Lamento de Dido. A voz quase sussurrada da americana Susan Graham casa muito bem com a cena de entrega à morte. Ainda possui a partitura para que se possa acompanhar a melodia. Vale a pena conferir.
* * * * *
Backstage Notes
I. Em 2003 entrei para o coral Collegium Musicum de São Paulo, no qual cantei no naipe de baixos por quatro anos, a convite do maestro Abel Rocha. O Collegium estava terminando de ensaiar a montagem da ópera Dido e Enéas e não dava tempo para que eu começasse a ensaiar do zero. Então acabei fazendo um 'trabalhinho sujo'. Enquanto sobre o palco o Collegium dividia espaço com Adélia Issa [no papel de Dido], Rubens Medina [Enéas], Marta Herr [Belinda] e Silvia Tessuto [espetacular no papel da 'sorceress'], eu estava ora nas coxias fazendo contra-regragem, ora no fosso 'tocando' os trovões e fazendo sonoplastia. Foi divertido. Por estas apresentações, o Collegium Musicum ganhou o prêmio da APCA, e eu ganhei um lugar no coro.
II. Falei no texto sobre o ground bass. Resumindo, a técnica aqui chamada de baixo ostinado, é a forma de se compor sobre uma linha melódica do baixo que fica se repetindo enquanto conduz a harmonia. É a mesma técnica empregada por Pachelbel em seu famoso Cânone em Ré Maior. 

4 comentários:

  1. Adoro músicas em cânone e Pachelbel é o meu favorito.
    Ótimo post!
    Parabéns!!!
    Mi =^.^=

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  2. Ótimo post! Divulgue entre os amigos músicos.

    Um abraço.

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  3. alguem sabe algum site em que eu possa baixar suíte para cravo de Purcell??? ouvi essa música na rádio mec e achei muito bonita, se souberem onde poso encontra-la de graça por favor deixem o link aqui, ou me mande por e-mail: angelrock_wicca@hotmail.com, obrigada...

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  4. muito bom e complementado.

    amei! parabens pelo otimo site.
    continuem transmitindo esse conhecimento

    BJKS!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

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