quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Influência quase plagiadora

Nos últimos posts citei a influência que o brasileiro José Maurício Nunes Garcia recebeu das composições de Mozart, evidenciada em seu Requiem, principalmente no Dies Irae (veja meu post anterior). Tanta influência que parece uma cópia em algumas partes. No mundo da música isso é completamente normal. Você passa um tempo estudando o estilo composicional de alguém, suas melodias e progressões harmônicas, e acaba assumindo o estilo. Compõe algo que soa parecido. As vezes até inconscientemente. Mas na maioria das vezes é conscientemente mesmo. Pega um trecho de uma idéia melódica, ou uma progressão harmônica interessante, e "copia" na sua própria composição, usando como ponto de partida para algo diferente.

Uma influência quase plagiadora bem conhecida é a de Jobim com Chopin. Para os estudantes de música, é um assunto conhecido. Mas muita gente que aprecia a obra do Tom Jobim não sabe disse. Já li que são diversas as citações da obra de Chopin que o maestro brasileiro usa em suas obras. Mas tem duas que são descaradas.

A primeira, e mais conhecida, é a música Insensatez, que é uma citação quase plagiadora do Prelúdio op.28 n.4. Pra quem conhece bem a canção do brasileiro e ouve este prelúdio de Chopin pela primeira vez, é impossível não notar a semelhança, tanto melódica como harmônica. Existe até tese sobre esta citação. Descarada.

Mas a que me impressiona mais é outra. Retrato em Branco e Preto, uma citação praticamente literal de um ornamento (no caso um trinado) incomum, pela complexidade, usado por Chopin em seu Noturno op.9 n.2. Na composição de Chopin, a melodia é apenas um enfeite antes do fim da peça (preste atenção a partir de 3:48 no vídeo). Jobim pegou o ornamento, desacelerou, adaptou a tonalidade e transformou na melodia principal de sua canção. Citação mais descarada ainda, apesar de escondida.

O interessante é que, apesar de Jobim ser um apreciador confesso da obra de Chopin, o brasileiro nunca assumiu estas citações. Sempre que questionado, argumentava ser apenas influência. Talvez não quisesse ser visto como um plagiador de idéias (sabemos que é muito mais que isto), mas a negação mais nos faz pensar isto do que se ele assumisse, se tivesse argumentado que a idéia era justamente transformar a melodia erudita de Chopin em linguagem MPB. Genial, sem dúvida. Se for copiar alguém, faça como Jobim - copie alguém grande.

(clique nos links para ouvir as músicas)

Um comentário:

  1. linkei (se existe esta palavra) seu blog no meu blog, e publiquei uma piadinha sua no meu FACEBOOK.
    Também apaixonado por regência, vou explorar o seu blog depois. Parabéns!

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